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“Ás vezes a gente Só quer ir embora”: Obstáculos dos Motoristas De ônibus em Aracaju

Por: Bruna Alcântara

Foto: Bruna Alcantara - Divulgação

“Olha minha perna, filho da p***!”, assim começou uma das discussões entre motorista e passageiro, no transporte público da capital. Com uma frota de 596 ônibus que operam 118 linhas na capital e região metropolitana diariamente, não são raros os momentos de tensão vividos por motoristas e passageiros. 

Os motoristas enfrentam não apenas a ira dos passageiros, mas também a tensão de outros fatores de riscos. O perigo dos roubos a mão armada também são um medo constante. Além disso, muitos tem de lidar com atrasos e falta de pagamento do seu salário, que é o motivo de muitas greves.

 Em 14 de outubro de 2021, cerca de 900 rodoviários do transporte público de Aracaju entraram em greve. Os terminais de integração lotaram e diversos passageiros ficaram presos. Os trabalhadores informaram que a razão da paralisação eram os recorrentes atrasos no salário e benefícios do mês anterior.

Os constantes atrasos, e principalmente a superlotação, por sua vez, minam a paciência dos usuários do transporte coletivo, ocasionando em discussões, desconforto e atraso em seus compromissos, trabalhos e até chegar em suas casas.

Riscos de trabalho

De acordo com a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), a carga horária de um motorista de ônibus não pode exceder a 8 horas diárias. Essas 8 horas podem começar às 4h45 da manhã, quando os ônibus começam a circular ou podem terminar as 23:30 da noite, quando o último ônibus encosta e para. Segundo Jorge Paulo, motorista de ônibus da Viação Atalaia, esses dois horários são os mais perigosos de se circular. "Quanto mais vazio o ônibus, mais fácil deles assaltarem.”

Segundo ele, os assaltos diminuíram após a pandemia. Porém ainda são muito frequentes. "Tem ônibus que já saiu de linha por causa de assalto. Tem motorista que passa rezando por certos lugares." Um levantamento feito pela Setransp aponta que o ano de 2021 encerrou com a queda de 95,52% no número de roubos comparado ao ano de 2016, quando houve 1628 investidas criminosas. Ao comparar 2020 - que houve 114 ocorrências - e 2021 com - 75 roubos - a diminuição foi de 35,96%.

Para Pedro* (nome fictício pois o motorista não quis se identificar), também motorista da Viação Atalaia, trabalhar como motorista é “ir e não saber se volta”. Ele confessa que já pensou em sair do emprego por medo. "Entrego minha vida a Deus todo dia, e saio com um único motivo: alimentar meus pequenos. Se não fosse isso, eu já teria ido embora". Ele também afirma que o roubo não é apenas a mão armada. Muitos passageiros não pagam sua passagem (em Aracaju R$4,50) chegando a entrar pelo fundo do ônibus ou até mesmo pulando a catraca.

Conflitos com passageiros

Foto: Bruna Alcantara

Ônibus pela manhã, sempre lotado. Terminais cheios, trabalhadores esbravejando pela espera, ou pelo atraso. "Ônibus cheio é um problema!", exclama José Carlos*(nome fictício), motorista da Viação modelo. Ele conta que já discutiu com uma passageira por conta da superlotação. "A moça ficou com a perna presa na porta e eu não vi. Só ouvi ela gritar: 'Olha minha perna filho da p***!' Aí eu não aguentei e desci do ônibus. Discutimos e ela foi embora."

Mas nem sempre é assim, nem sempre o motorista discute. Muitas vezes os passageiros xingam, maltratam e até chegam ameaçar de bater ou coisas piores. Segundo o Paulo, o motorista precisa ser multitarefas. Precisa pegar passagem, passar troco, liberar a passagem de estudante, olhar quem desce, olhar quem sobe e prestar atenção na pista, sabendo que muitas pessoas estão ali sob a responsabilidade dele. "É muita pressão, às vezes a gente só quer ir embora", diz ele.

Quando perguntado sobre o que é mais perigoso: o roubo ou a discussão com passageiro, Pedro* diz que é o roubo. "O ladrão leva meu dinheiro mas o passageiro insensato leva apenas o meu silêncio, ou algumas verdades." Segundo ele, todo motorista de ônibus já foi agredido verbalmente ou ameaçado. "Palavrões, ameaças de bater, ameaças de quebrar o ônibus, isso é diário. Pode perguntar para qualquer motorista."

O Lado dos passageiros

Não é só os motoristas que tem a sua defesa. Muitos passageiros possuem um álibi forte que explicam o seu estresse. Segundo Maria Clara, diarista, os ônibus demoram muito para passar, e quando passam estão muito cheios. Ela, que sai duas horas antes do horário de chegar ao trabalho, diz que mesmo assim se atrasa. "A gente sofre todo dia nesses terminais, eu saio duas horas antes para trabalhar porque eu moro na Soledade, e trabalho lá no Mosqueiro. Pego 4 ônibus, e passo por três terminais. A cada terminal, uma espera. E ainda tomo bronca da patroa pelo atraso".                       

Para Gabriela Bezerra, estudante, ir sentada no transporte coletivo é um luxo. "Quando eu vejo o 002 (Ônibus Fernando Collor - Dia), eu vejo uma lata de sardinha. Você vira uma sardinha, isso quando você consegue entrar, porque vem tão cheio, que as portas viram pessoas", ela diz, em relação ao fato de, por estar muito lotado, o ônibus não conseguir fechar suas portas, e pessoas acabarem ficando penduradas na porta.  Ela disse que há muitos motoristas que são mal-educados e que quando questionados, respondem com deboche e sarcasmo. "Tem motorista que pensa que o ônibus é dele, e não respeita ninguém."

João Daniel, caixa de supermercado, diz que já brigou com um motorista. Ele estava no 040 (Marcos Freire 2 - Dia), quando deu sinal para descer e o motorista não parou no ponto. Ele bateu na porta do ônibus e o motorista mesmo assim não parou. O motorista parou apenas quando chegou até o terminal da Rodoviária Nova. E aí começou a discussão. "Eu perguntei a ele o motivo pelo qual ele não parou, e ele disse que não tinha visto, com puro deboche."

Condições de Trabalho

Segundo José Carlos*, o salário é recebido mensalmente, mas nem sempre foi assim. "No finalzinho de 2021, a gente (os motoristas) parou por causa do atraso de salário. Só assim para eles nos ouvirem." O motorista de ônibus urbano trabalhando na cidade de Aracaju ganha entre R$ 1.821,87 e o teto salarial de R$2.457,70. Sendo que a média salarial fica entre R$1.912,35 para uma jornada de trabalho de 44 horas semanais. (Link da fonte ao final da reportagem.)

Os ônibus não são lavados com muita frequência, acumulando poeira e muita sujeira. Alguns adolescentes chegam a desenhar do lado de fora do ônibus, por cima da poeira. Há alguns que andam com bancos rasgados. Há ônibus que são bem velhos e que são trocados apenas depois de alguns anos. Um exemplo disso é a linha 101 - Parque São José/ Maracaju - que desde 2018 usavam o mesmo micro-ônibus e foi substituído por um ônibus novo apenas em abril deste ano.

De acordo com a Lei 13.103, o motorista de transporte rodoviário ou motorista de passageiros não poderá ter um tempo contínuo de direção superior a 5 horas e 30 minutos. O descanso geralmente é de 1 hora a 1 hora e meia no meio das 8 horas da jornada de trabalho. "Nós convivemos bem entre nós. Cada um na sua, mas brincando com todos", diz Jorge Paulo*. "O sindicato (SINTTRA- Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Aracaju) tá sempre ativo e todos se ajudam."

*Nomes Fictícios.

https://www.salario.com.br/profissao/motorista-de-onibus-urbano-cbo-782410/aracaju-se/(sobre os salários dos motoristas de transporte coletivo em Aracaju/SE); 

http://www.smttaju.com.br/busca?query=Ouvidoria(Ouvidoria da SETRANSP)


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